Quando a tecnologia começa a conversar com as nossas lembranças

Quando a tecnologia começa a conversar com as nossas lembranças

Um vídeo começou a circular na Internet e chamou minha atenção. Não devido a algum novo gadget ou truque de produtividade, mas porque parecia ter saído direto de um episódio de Black Mirror. A empresa 2Wai lançou um aplicativo que permite conversar com avatares de familiares que já morreram. A demonstração mostra uma mulher falando com a versão digital da mãe falecida, depois o avatar lendo histórias para o neto e, anos mais tarde, conversando com o mesmo menino já adulto. É uma narrativa construída para emocionar, mas que também levanta várias dúvidas.

O fundador da empresa descreve o projeto como um “arquivo vivo da humanidade”. A frase é forte. A proposta é que cada pessoa consiga transformar lembranças e registros em uma presença contínua, capaz de conversar e reagir de forma natural. É fácil entender o apelo. Quem nunca desejou mais alguns minutos com alguém que se foi. Ao mesmo tempo, é aí que as coisas começam a ficar desconfortáveis.

Muita gente nas redes está reagindo mal. Alguns chamaram o vídeo de “assustador”, outros de “demoníaco”. E não é difícil entender o motivo. Quando misturamos luto, memória e tecnologia, entramos num território sensível. A fronteira entre consolo e ilusão fica mais fina do que parece. Um avatar pode ajudar alguém a revisitar histórias e manter uma conexão afetiva, mas também pode atrapalhar o processo natural de seguir em frente.

A discussão se intensifica porque esse tipo de tecnologia evolui rápido. Hoje temos um avatar na tela do celular. Amanhã podemos ter versões físicas, com corpo e movimento, como no famoso episódio de Black Mirror em que o chatbot vira um androide. A linha entre homenagem e reconstrução fica cada vez mais instável.

Apesar do clima de ficção sombria, existe uma utilidade possível. Avatares podem servir como forma de preservar relatos familiares, registros de voz e detalhes que normalmente se perdem com o tempo. Isso exige cuidado. Quem decidir usar um recurso desses precisa saber exatamente o que está sendo criado e por quê. É um tipo de ferramenta que deveria complementar a memória, não a substituir.

Se você ficou curioso e pensa em explorar algo parecido, minha dica é simples. Use essas tecnologias como apoio, nunca como muleta. Armazene histórias, organize fotos, grave conversas com familiares enquanto continuam aqui. Esses registros são reais e têm valor próprio, sem simulação. E, se um avatar entrar na equação, lembre-se de que ele é apenas uma representação. Ele não devolve uma pessoa, mas pode ajudar a preservar um pedaço dela.

O assunto ainda vai render. Toda vez que tecnologia toca em temas tão humanos, surgem debates profundos. O desafio é encontrar equilíbrio entre a inovação e o respeito ao que significa lembrar de alguém.

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